Um exemplo emblemático dessa riqueza é o buriti, fruto de uma palmeira majestosa que pontua a vastidão da Amazônia e do Cerrado. Ostentando o título de fruto mais rico em carotenoides do mundo, o buriti brinda o Brasil com 60 e 70 milhões de toneladas anuais. No entanto, apenas uma minúscula parcela desse tesouro natural é aproveitada pela população.
Rico em carotenoides, especialmente betacaroteno, o buriti ostenta um poder antioxidante excepcional, capaz de auxiliar na prevenção de diversas doenças, incluindo o câncer.
Buriti
Além de seus benefícios à saúde, o buriti também se destaca por sua versatilidade na culinária. Sua polpa pode ser consumida in natura, na forma de sucos, vitaminas e até mesmo sorvetes. A farinha de buriti enriquece pães, bolos e outros pratos, conferindo-lhes um sabor único e nutritivo. Doces e compotas também podem ser preparados com o buriti, agradando paladares exigentes.
Valdely Kinupp mostra tubérculo gigante do cará-de-espinho
Outra espécie é o cará-de-espinho, uma trepadeira nativa das regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste que produz tubérculos comestíveis que podem ultrapassar 180 kg. Os tubérculos podem ficar armazenados por até 120 dias fora da geladeira sem apodrecer e podem ser consumidos como a batata (frita, cozida, em purê) ou virar farinha. Hoje, no entanto, essa espécie só é consumida em aldeias indígenas e em comunidades rurais no Baixo Amazonas.
Hortaliças espontâneas: nutritivas, resistentes e subestimadas
Em meio às plantações, nascem tesouros nutritivos e resistentes: as hortaliças espontâneas comestíveis. O caruru, com folhas ricas em propriedades semelhantes ao espinafre e sementes com 17,2% de proteínas, e a beldroega, rica em ômega-3, vitaminas B e C e propriedades antioxidantes, são exemplos.
Caruru
Mas, ironicamente, muitos agricultores as combatem com herbicidas antes de plantar espécies exóticas. Em muitos casos, essas novas plantas são menos nutritivas, mais suscetíveis a pragas e dependentes de fertilizantes caros.
Nuno Rodrigo Madeira, agrônomo da Embrapa e especialista em hortaliças, explica que a resistência das hortaliças espontâneas as torna mais nutritivas. "Elas não são adubadas, então disparam processos metabólicos para sobreviver à adversidade, o que as torna mais ricas em nutrientes", afirma.
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Beldroega
As Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) não se limitam apenas a plantas exóticas ou pouco conhecidas. No universo das PANCs, também encontramos tesouros comestíveis escondidos em partes que geralmente descartamos de plantas que já consumimos. Vamos explorar alguns exemplos:
1. A banana:
2. O palmito da bananeira:
Dicas para aproveitar as PANCs da banana:
- Conserve as cascas: Lave bem as cascas da banana, corte em pedaços pequenos e congele. Desidrate ou asse antes de usar.
- Cozinhe o coração: Corte o coração da banana em fatias finas e cozinhe em água fervente por alguns minutos. Refogue com alho e cebola ou use em saladas e tortas.
- Experimente a inflorescência: Corte a inflorescência masculina da banana em pedaços pequenos e refogue com alho e cebola. Use como recheio de tortas, saladas ou até mesmo pizzas.
- Aproveite o palmito: Retire o escapo central da bananeira e corte em fatias finas. Cozinhe em água fervente por alguns minutos e use em saladas, tortas ou conserve em picles.
- Faça seu próprio sal: Desidrate o palmito da bananeira, queime e calcine até obter um pó fino. Esse pó é um sal de cozinha natural e saboroso.
"Coração" da banana
3. O mamão:
O mamão, apesar de ser consumido como fruta, guarda um em seu interior: a medula, também chamada de miolo. Essa parte central do caule, muitas vezes descartada, é um tesouro nutritivo e versátil que merece ser descoberto. Poucos sabem que o mamão é uma erva gigante, não uma árvore, e que sua medula é comestível. A medula, rica em nutrientes, é geralmente descartada, enquanto a fruta é utilizada em sobremesas e sorvetes (muitas vezes com essência artificial). A medula pode ser usada em diversos pratos, como saladas, legumes, maionese, espessante e até mesmo na produção de cocadas.
Benefícios da medula do mamão:
Como aproveitar a medula do mamão:
- Cozinhe: Cozinhe a medula em água fervente por alguns minutos até ficar macia.
- Refogue: Refogue a medula com alho, cebola e outros temperos de sua preferência.
- Asse: Asse a medula no forno com azeite, ervas e especiarias.
- Adicione a saladas: Corte a medula em cubos e adicione a saladas frescas.
- Use como espessante: Cozinhe a medula e bata no liquidificador até formar um creme para usar em sopas, molhos e cremes.
- Faça cocadas: Rale a medula e use-a na receita de cocada tradicional.
- Conserve as sementes: As sementes do mamão são ricas em nutrientes e podem ser usadas como vermífugo, tempero ou até mesmo transformadas em farinha.
Alfabetização Botânica: Garantindo Autonomia e Soberania Alimentar Através das PANCs
Em uma entrevista à culinarista Bela Gil, Valdely Kinupp defendeu a importância da alfabetização botânica para o brasileiro. Segundo ele, o conhecimento das plantas comestíveis presentes em nosso entorno nos garante autonomia alimentar, especialmente em tempos de incertezas e escassez.
Soberania Alimentar:
Kinupp afirma que a dependência de alimentos externos coloca em risco a nossa autonomia alimentar. Ao investir no consumo e na produção de PANCs, o Brasil reduz essa dependência e fortalece sua segurança alimentar. Isso significa menos vulnerabilidade a crises internacionais e maior controle sobre os recursos alimentares da nação.
Soberania Nacional:
A riqueza em PANCs representa um patrimônio genético inestimável para o Brasil. Ao valorizar e explorar esse potencial, o país se posiciona como um protagonista no cenário global de segurança alimentar e biodiversidade. Essa valorização contribui para a soberania nacional, protegendo nossos recursos e garantindo a autonomia do país em relação à produção de alimentos.
A necessidade de uma política pública séria para as PANCs:
Segundo Valdely Kinupp é necessário a laboração de leis e normas que reconheçam e valorizem as PANCs, garantindo sua preservação e utilização sustentável, é crucial para protegermos esse patrimônio natural e assegurarmos seu uso responsável para as futuras gerações.
Campanhas de conscientização sobre seus benefícios e usos, direcionadas à população em geral e aos profissionais da área de alimentação, também são essenciais.
Além de Hortas demonstrativas em instituições de ensino, pesquisa e extensão, aliadas ao apoio à produção familiar e à agricultura urbana, servirão como exemplos práticos e inspiradores. Facilitar o acesso às PANCs em feiras livres, mercados municipais e supermercados, além de incentivar a criação de cooperativas e agroindústrias especializadas, garantirá sua viabilidade econômica e disponibilidade para todos.
Marcelo Vicente de Souza
Mestre em Política Social | Universidade de Lisboa